Profecia Celestina

Uma novela de James Redfield. A novela é vista como um guia espiritual da New Age. Um crente descreve-o deste modo:

Este livro trata simplesmente de como obtemos e usamos energia. Quando temos energia suficiente, da forma certa, podemos "aumentar as nossas vibrações". Com uma vibração mais forte, podemos atingir melhor a nossa psique e talentos, e descobrir e viver o nosso verdadeiro propósito nesta vida.

Mesmo Redfield trata a sua novela como um guia espiritual. Começou uma Newsletter para os seus seguidores: The Celestine Journal: Exploring Spiritual Transformation. Tem um segundo livro, The Tenth Insight, que diz ser "uma viagem que o levará através de portas para outras dimensões". Tem cassetes audio e CDs para venda.

Não é bonito criticar quem enfatiza o poder do pensamento positivo. Mas aqui vai.

Redfield começa com a noção partilhada por outros gurus da New Age: o mundo está a emergir para um Novo conhecimento espiritual. Apresenta-o do seguinte modo:

Nos ultimos cinquenta anos, uma Nova consciência entrou no mundo, uma Nova consciência que só pode ser chamada transcendente, espiritual. Se dá por si lendo este livro, então, talvez, já tenha sentido que está a acontecer, já o sinta dentro de si.

Qual a evidência para esta Nova Era? Bem, não sente as vibrações? Não sente a energia? Não? Bem, isso é porque é negativo. Afaste as duvidas e começará a sentir. Siga as intuições, as premonições. Flua com coincidências; são propositadas. Nada acontece por acaso. É parte de algo realmente grande! Não o sente? Tem de sentir. Uma jornada espiritual é uma jornada de sensações. Não é uma busca intelectual. O sentido da vida não é cognitivo. Sinta o sincronismo. Tune in.

Na novela, o sentido da vida é revelado num manuscrito Peruano antigo escrito em Aramaico. Prediz uma maciça transformação espiritual da sociedade nos finais do século vinte. Finalmente entenderemos os segredos do universo, os mistérios da existência, o significado da vida! O verdadeito significado e sentido da vida não se encontra na religião nem nos bens materiais, mas antes em coisas como as auras. O manuscripto está cheio de pensamentos e esses são o caminho da transformação. Como sabemos? Fácil. Olhe para a agitação à sua volta. É esta a chave. Somos lagartas prontas a transformar-no em borboletas, para irromper juntos na Nova Era. Não repara como coincidências acontecem cada vez mais? E pensa que são só coincidências? Não. É um sinal da New Age. Sinta as vibrações. Sinta a energia.

...o Manuscrito diz que o numero de pessoas que estão conscientes de tais coincidências começará a aumentar dramaticamente na sexta década do vigésimo século. Diz que este crescimento continuará até por volta do inicio do próximo século, quando se atingirá um nivel especifico desses individuos—um nivel que defino como massa critica.

Não estou certo mas penso que ele fala da sétima década, não a sexta. A sexta década do século vinte são os anos 50. Ninguem pensa que os anos 50 eram uma época inquieta. Mas, os sessenta, isso sim! The Beatles, LSD, a Guerra do Vietnam, os Kennedys, Martin Luther King, Maio 68,  assassinios... Make Love Not War. Não precisamos de medo, humilhações, culpa ou vergonha. Contemple, medite, siga os seus sonhos. Facto ou ficção, não importa. Verdade é o que você cria. A vida é muito curta e complicada para tratar da realidade. Crie a sua realidade. Usemos a validação subjectiva e o reenforço comunal.

Similares mensagens podem ser encontradas nos escritos de Jean Houston e outros pensadores da New Age. Ridicularizar os gurus e seguidores destes cultos pode parecer metodologicamente incompetente a alguns cépticos. Se queremos mudar-lhes as ideias, então este método é inutil. Mas se queremos atrair a atenção dos que podem sentir-se atraídos pelas mensagens dos gurus da New Age, então a empatia pelas vitimas de fraudes, aldrabices e ilusões não dará muito resultado. Devemos ter em vista os que ainda não se juntaram aos Celestines, aos Milagres, aos raptados por ets, aos Pleiadianos, etc.

O que torna possivel a uma novela tornar-se a base de um movimento espiritual? Antes de tentar responder a isto penso ser interessante, se não mesmo divertido, apontar que aqueles que afirmam que as suas palavras de sabedoria lhes foram canalizadas por extraterrestres, por cavaleiros medievais, por Jesus, etc, se deram a um trabalho desnecessário. Em primeira análise, parece uma boa táctica afirmar que as suas ideias não são suas mas sim de Deus, ou de um extraterrestre, ou de alguém de séculos atrás. Pelo menos não tem de defender nada nem de provar nada. Você não tem que perguntar, só tem de entregar a mensagem. Pelos vistos, mesmo se afirmar que a mensagem é ficção, se apresenta a mensagem certa, eles virão. Quem? Quem é atraido por guias espirituais canalizados ou ficcionais?

Eles são os não-satisfeitos. São os despojados psicológica e emocionalmente. Olham para as suas vidas e para o mundo lá longe e o que veem é desespero. O mundo está cheio de maldade, de ódio e destruição, sem delicadeza. Os terrorristas estão em toda a parte. Terrorristas politicos rebentam lugares cheios de pessoas que nunca viram e que nunca lhes fizeram mal. Eco-terrorristas que por dinheiro e poder destroem o céu, a terra, a água, o ar. Terrorristas religiosos que em nome de Cristo ou Maomé ou Deus pregam o ódio a mulheres, a negros, uns aos outros. Terrorristas familiares que abusam das suas crianças, que não as amam, não os educam, não as preparam para o mundo. São infelizes e sentem-se impotentes para fazer algo. Se pudessem escapavam deste mundo. Não encontraram o que esperavam quando começaram a trabalhar, casaram, tiveram uma casa. As suas igrejas de infância dizem-lhes para serem como sempre foram. Mas isso é doloroso e desleal, principalmente se é mulher. Querem poder. Querem uma fatia da felicidade. Este mundo é sujo. Deve haver algo melhor. As religiões tradicionais teem as portas abertas, mas são óbviamente parte do problema e não parte da solução.

Quando alguem surge a pregar uma mensagem de esperança, eles ouvem. Esperança é o seu doping. Não há nada de errado com a esperança. Uma vida sem esperança não vale a pena ser vivida. Quando se afunda no alto mar e alguem lhe atira uma bóia, você agarra-a e agradece. Não faz perguntas. E quando o seu salvador o trás para junto da sua tripulação feliz e sorridente, a sua primeira reacção é ficar aí. Ouve o que teem a dizer e ouve com mais atenção do que já ouviu qualquer outra coisa antes. Não são aulas chatas como as que teve para tirar o curso. Isto é Vida Real 4, um curso avançado sobre o sentido da vida.

O seu critério para saber se está no barco certo ou não será como se sente. Se se sente melhor do que alguma vez se lembra, se sente uma nova realidade, um novo propósito, ligações positivas e benéficas, isto valida a verdade das mensagens. Deve haver auras de energias, porque eu sinto-as. Deve haver energia a circular em objectos inanimados, porque eu sinto-a. Devemos estar a atingir a "massa critica" porque posso sentir isso. Sinto-me a emergir para a luz. Sinto esperança, felicidade, satisfação. Que mais provas precisa alguem da verdade das minhas crenças?

Bem, comecemos pela possibilidade de estar iludido. E depois? diz você. As minhas ilusões são melhores que as suas verdades cientificas. As minhas ilusões fazem as pessoas felizes. O que chama verdade só levou a ódio, destruição e maldade. Só está a proteger os seus interesses. Chama-lhes verdade porque lhe dão poderes e você abusa desses poderes. Critica a religião por todo o mal que foi feito em seu nome, mas e a Ciência? Olhe para o mal feito em nome da Cieêcia: bombas nucleares, armas quimicas, a camada de ozono, ar e água poluidas, imagens pornográficas de mulheres e crianças, milhões de abortos, droga, desemprego, terrorrismo. Se é mal deve-se à Ciência e à Tecnologia.

Errado. Mas, mesmo que fosse verdade que a Ciência é a mãe de todos os males, não se segue que um conjunto de ideias sobre a transformação espiritual do mundo tenha alguma validade. Misticos não fazem do mundo um lugar melhor. Eles olham o mundo e dizem que aqui não é onde quero estar. Misticos são escapistas: procuram refugio num salva-vidas que transcenda as tempestades deste mundo real. Eles querem o que a vida não lhes pode dar, e então procuram um mundo imaginário que lhes dê o que procuram. Quem os pode censurar? Quero dizer, quantos de nós teem a força ou moral para rejeitar a fama, o poder? Quantos teem a força de encontrar satisfação nos seus trabalhos? Quantos nem encontram trabalho para os desagradar?! Quantos teem relações cheias e positivas, sexuais ou não, com outros? Quantos de nós encontram prazer nos seus tempos livres? Quantos estão deprimidos? Quantos atingem a meia idade e olham para trás e dizem, "olhem as montanhas que escalei, vejam como tinha grandes visões quando era jovem e como eu as realizei, olhem a obra que criei, a minha vida!" Muito poucos, penso. Em vez disso, é mais provável que digam como Dylan: "trinta anos de escola e põem-me no turno de dia." Quantos se suicidam em cada ano? Muitos, e muitos desses são jovens. Quantos de nós somos felizes? Muittos, direi. Mas somos biliões, portanto é inevitável que haja milhões que em cada momento neste planeta estejam muito infelizes. Portanto, haverá sempre milhões vulneráveis a estes falsos profetas.

O que tenho a oferecer que seja melhor? O que tenho a oferecer é independência. Nunca será livre enquanto depender de alguem para o guiar. Não compreendam mal, nada há de errado em ter guias, mas devem ser largados em algum ponto. Até conseguir andar sózinho não é livre. Isto não significa que procure sózinho. Seria absurdo. Somos criaturas sociais e o nosso bem estar depende de relações satisfatórias com outras pessoas. Isto não significa que deve aprender por si a pensar. Outros podem guiá-lo a pensar por si. Ensinam métodos de perguntar em vez de livros de "verdades" digeridas. Finalmente, devo admitir que muito do que os espiritualistas da New Age ensinam são bons conselhos. Amem-se uns aos outros. Evitem pessoas destrutivas. Não se limitem a ouvir os outros, escutem-nos. Pensem. Explorem novas ideias e novos métodos de ter ideias. Seja criativo. Tenha um papel mais pró-activo na sua vida; não seja passivo. Pense positivo.

Mas há outro lado da New Age que é subjectivista e relativista. Há um lado que diz que a realidade é o que você quiser. A linha entre facto e ficção torna-se pouco clara. A ficção tem um lugar nas nossas vidas, mas tambem a realidade. Os métodos da ciência podem não ser perfeitos, mas quando se trata de perceber os factos, são melhores que qualquer outro que já se tenha inventado.


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